terça-feira, 19 de julho de 2016

QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO


Narradores de Javé

            Logo após ler o material da interdisciplina de Literatura, fiquei lembrando o filme Narradores de Javé que vi no semestre anterior. Nesse filme, uma cidade que está prestes a ser inundada para a implementação de uma Usina, da qual os moradores devem sair e abandonar suas casas. Em sua visita aos engenheiros responsáveis pela obra, um morador descobre que se a cidade tiver algo importante que se enquadre no conceito de Patrimônio Público, poderá ser salva.
            Retornando para a cidade, esse morador convence a população em “escrevinhar” as histórias faladas do povo do Vale de Javé. “Para tal evento decidem convocar o ex-funcionário do correio, Antônio Bia, que havia escrito cartas difamatórias da população para não perder o emprego, que deverá fazer” um juntado da história Santa da cabeça do povo sem escrever uma patranha[1]”.
“(...) o homem conta história – para tentar entender a vida, sua passagem pelo mundo, ver na essência alguma espécie de lógica”.                        ( Encantos para sempre, pág. 4)

            Durante as sessões de escrevinhamento das histórias, vão aparecendo os personagens e suas histórias, mas cada versão vem povoada de sentimentos pessoais ligados a descendência, ou não, em relação ao fundador da cidade que se chamava Aécio.
            Ao rever esse filme, considerei o texto Encantos para sempre de Ana Maria Machado, onde a autora coloca a passagem da oralidade dos Contos de Fadas para a escrita. Nessa ação, tivemos a compilação dessas histórias pelos Irmãos Grimm, Hans Christian Anderson e Perrault que formaram uma trindade. Cada um desses implantou novas ideias que levaram a elaboração de novas histórias que trabalham até nos dias de hoje com o imaginário infantil. Esse imaginário faz com que a criança acredite desacreditando nas histórias. Ela se torna uma leitura interessante que vai sendo passada de geração a geração.
            Quando o povo de Javé inicia o relato das suas histórias cantadas, pode-se observar que cada morador vai aumentando um ponto ou modificando algum trecho antes narrado por outro morador e assim a história se torna inventada e perde a sua essência e a sua identidade, tal qual aconteceu com os Contos de Fadas quando sofreram novas adaptações que alteraram sua essência e a sua legitimidade como história que tem como função trabalhar a catártica da ação / punição. Criou-se o desastre literário e psicológico.
            Como ocorreu com essas modificações, o vale do Javé não salva sua cidade em função de não conseguir “escrevinhar” [2] sua história e cultura para o papel. Ao final do filme o escrevente, como chamado pelo povo da cidade, coloca para a população que Javé não vale nada, não tem nada que justifique a sua salvação. A população sai de Javé e a sua cultura e histórias se perdem do mundo nas águas da sua inundação.
            Essa história eu chamo de Conto popular.

Refrência:

Vídeo Narradoes de Javé -https://www.youtube.com/watch?v=Trm-CyihYs8
Publicado em 21 de abr de 2012
Filme brasileiro que retrata a cultura sertaneja e processo da oralidade histórica
      

[1] Patranha o mesmo que mentira.
[2] Escrevinhar é o mesmo que escrever.


postado pelo dia 24/6/2016.

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